se eu fosse o Grão Vasco
Exemplo de um contrato conhecido
No caso do grande retábulo do altar-mor da Sé de Lamego, Vasco Fernandes dirigiu a empreitada, contando com a colaboração direta de um mestre carpinteiro (André Pires, carpinteiro-mor da cidade de Lamego), de dois mestres marceneiros (os entalhadores Arnao de Carvalho e João de Ultreque) e de um outro pintor (Fernando Eanes, de Tomar).
No primeiro contrato, celebrado com o bispo de Lamego a 7 de Maio de 1506, Vasco Fernandes compromete-se a fazer o retábulo para o bispo, e este compromete-se a pagar~lhe pelo trabalho, os materiais necessários à obra, bem como “uma casa boa e pertencente para pintar a dita obra”.
Ao longo do encontro foram especificando as características que este retábulo deveria ter. Assim, a armação, que deveria ajustar-se à forma da capela da Sé, incluiria um “guarda-pó” e 14 painéis, sendo os dois centrais de maiores dimensões do que os restantes doze.
Toda a estrutura de marcenaria deveria ser feita com boa madeira de “bordo de Flandres”. Quanto à madeira para construir os painéis, deveriam ser usadas duas qualidades diferentes. Com a de melhor qualidade seriam feitos os dois painéis centrais. Também a qualidade do entalhamento deveria ser de “ordenança melhor” nos principais. Toda a madeira seria dourada “de bom ouro de cruzados” e pintada, onde fosse necessário, “de bom azul fino”, como nas estrelas do guarda pó.
No painel central, no de cima, Vasco Fernandes deveria pintar a “Santíssima Trindade” e, no de baixo, a “Assunção da Virgem”. Oito painéis deveriam ter como temas cada um dos oito dias da Criação do Mundo e em cada um dos restantes quatro deveria pintar a “Anunciação”, a “Natividade”, a “Adoração dos Reis Magos” e a “Circuncisão”.
Comprometeu-se Vasco Fernandes a pintá-los o melhor que pudesse, dizendo que os faria ao “melhor modo e maneira que se pode fazer”, acrescentando “e melhor se melhor puder”, insistindo “e melhor se eu puder ordenar e fazer”. Ao centro, imediatamente abaixo do guarda-pó, seriam colocadas as armas do bispo “perfeitas e bem talhadas”. Depois bispo e mestre fixaram o orçamento.
Por todo este trabalho, e por todos os materiais necessários à obra do retábulo, Vasco Fernandes haveria de receber 350 mil reais, cem alqueires de trigo e mais duas pipas de vinho. O cereal e o vinho ser-lhe-iam dados assim que iniciasse a obra, e o dinheiro seria entregue em 4 prestações: a primeira assim que começasse a trabalhar; a segunda quando tivesse realizado um terço da obra; uma terceira assim que terminasse o segundo teço da obra; e a última prestação assim que acabasse o retábulo.
Se o pintor não fizesse a obra, ou se ausentasse para longe, teria que pagar ao bispo cem cruzados. Se, por sua vez, fosse o bispo a não cumprir os prazos de pagamento acordados, ou a partir para fora, teria que pagar a Vasco Fernandes uma compensação de igual valor, cem cruzados.
Quanto aos prazos de execução, ficou acordado que o primeiro terço da obra seria feito ao longo de um ano e meio, a contar do dia em que o bispo entregasse a primeira prestação de pagamento a Vasco Fernandes.
A 20 de Maio, Vasco Fernandes responsabiliza-se a “fazer o dito retábulo bem pintado de boas tintas de boa lacra e azul” onde forem necessários e “com o seu óleo e verniz e assim as outras cores todas muito finas”.