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Pintura Retabular

processos de trabalho

A maior parte da pintura portuguesa do Renascimento é formada por pintura retabular (que pertenceu a retábulos). Trata-se de pintura criada sobre painéis que eram enquadrados em estruturas de marcenaria colocadas atrás de altares, montadas nas paredes de capelas.

Cada retábulo, independentemente do número de painéis e das dimensões, resultava de um trabalho de parceria que envolvia um mestre carpinteiro. Este oficial era responsável pela seleção, corte e transporte quer das pranchas de madeira com que eram construídos os painéis que serviam de suporte à pintura quer da madeira necessária para a estrutura retabular que integrava os painéis pintados, e muitas vezes também peças esculpidas, e no caso dos grandes retábulos também um sobre-céu.

Para além do carpinteiro recorria-se ainda a um mestre marceneiro entalhador que era responsável pela construção dos painéis e da estrutura de marcenaria em que estes assentavam, já depois de pintados e que, em muitos casos, também executava as esculturas que integravam os retábulos. Por último, um mestre pintor. Todos estes mestres, por sua vez, e dependendo sobretudo do volume da obra que lhes era encomendada, podiam trabalhar em parceria.

O “mestre do retábulo” era responsável por tudo o que implicava a concretização dessa obra. Começava por estabelecer um contrato com o encomendador.

Bibliografia:

Lapa, Sofia

"Grão Vasco - Pintores Portugueses"

2010, QuidNovi

Contrato de Encomenda

Nos contratos que conhecemos para este período constam as dimensões do retábulo; determinadas especificidades quanto à excelência dos materiais (certas madeiras; certos pigmentos; a qualidade do ouro para o douramento; etc.); e a indicação muito geral ou apenas pontualmente específica, dos temas das pinturas.

Por vezes são dadas indicações relativas à iconografia, bem como determinadas orientações gerais da composição de um painel; pontualmente referem-se detalhes da figuração.

Depois de acordados os orçamentos e prazos de execução, o mestre do retábulo escolhia os outros mestres oficinais com quem queria trabalhar, e estabelecia contratos de trabalho. Com o carpinteiro e, logo a seguir, com o entalhador. Enquanto este último ia trabalhando, prosseguia também o trabalho do pintor.

Oficinas principais

As oficinas a funcionarem Portugal (até cerca de 1540) às quais está atribuída a melhor pintura são, além da de Grão Vasco, as de Francisco Henriques (que morreu em 1518 ou 1519), Jorge Afonso, Cristóvão de Figueiredo, Gregório Lopes e Garcia Fernandes, pintores com quem Vasco Fernandes trabalhou ou que simplesmente conheceu bem.

Estes pintores eram oficiais mecânicos que tinham o seu ofício ainda liberto do espartilho dos regimentos. Dado que os principais pintores de Lisboa formavam um grupo familiar é fácil imaginá-los sempre a par do que cada qual ia fazendo.

A oficina principal de Lisboa era a de Jorge Afonso, o pintor do rei D. Manuel I, e, desde 1508, “examinador e vedor de todas as obras de pintura”. Nessa oficina terão feito aprendizado o seu genro, Gregório Lopes, bem como Cristóvão de Figueiredo e Garcia Fernandes (que após a morte de de Francisco Henriques, veio a casar com uma filha deste pintor flamengo, sobrinha de Jorge Afonso, portanto), casados com duas sobrinhas de Jorge Afonso. Gaspar Vaz, que depois faria obra nas Beiras, foi “criado” de Jorge Afonso.

Todos estes pintores foram respondendo às importantes encomendas feitas pela casa real e por altos representantes do clero, secular e regular.

De facto, durante os reinados de D. João II, D. Manuel I e D. João III, período de grande enriquecimento mercantil e de centralização do poder régio, proliferou a construção de raiz de mosteiros, conventos, igrejas ou de capelas, ou, em muitos casos, a renovação arquitetónica de edifícios de uso eclesiástico e laico e para os quais era necessária pintura.

Este mecenato foi tão ativo que resultou em muita oferta de trabalho, a ponto de em vários documentos estes pintores se queixarem de, por vezes, não terem mãos a medir.

No que respeita à oficina de Vasco Fernandes, parece não lhe ter faltado trabalho, já que ela laborou num período de aceso mecenato por parte dos bispos de Lamego e de Viseu, destacando-se, entre os desta última cidade, o de D. Miguel da Silva. Igualmente importante foi o mecenato de uma nobreza local, documentado para o altar-mor da Sé de Lamego no que respeita ao financiamento direto de parte do ouro necessário ao douramento dessa enorme máquina de marcenaria, pago pelos marqueses de Marialva.

Ao circularem para satisfazerem localmente encomendas, este pintores terão aproveitado para visitarem as oficinas de outros pintores, as provisórias que então laborassem nalguma encomenda, e as fixas, como a de Vasco Fernandes, em Viseu.

Desenhar, pintar

e circulação de imagens

No caso dos pintores do século XVI que temos vindo a referir, o desenho fixa as primeiras decisões autorais, sobre um suporte já preparado, um desenho prévio do que depois, com os pincéis, levariam a cabo através de várias camadas de cor.

Conhecemos numerosos exemplos – um dos mais mediatizados é o dos Painéis de S. Vicente, de Nuno Gonçalves – de obras em que o pintor corrigiu versões de desenho, muitas ainda durante a fase do desenho a carvão, outras já na fase propriamente pictórica.

Vários exemplos provam-nos que, na criação de uma imagem, um pintor podia desenhar e outro pintar. Esta situação verificou-se em vários painéis do retábulo do altar-mor da Sé de Viseu.

Por outro lado, existiram desenhos avulsos, criados para constituirem um recurso fundamental para pintores menos dotados, ou, então, criados no âmbito da organização de um trabalho de parceria entre pintores. Existem várias referências documentais destes processos de trabalho.

A utilização de gravuras pelos pintores, e pelos escultores, terá sido uma prática comum na maioria das oficinas deste período. Por isso, é muito provável que os pintores e escultores estrangeiros, a maioria flamengos, alguns franceses, quando vieram trabalhar para Portugal, tenham trazido caixas com gravura e desenhos, recursos de que se poderiam vir a servir.

Em Viena existe um Livro de modelos de um artista alemão anónimo, que reúne cinquenta e seis pequenos desenhos de cabeças de figuras humanas femininas e masculinas e de animais. Sempre que os artistas viajaram aos seus países de origem, como terá acontecido com Francisco Henriques, poderão ter procurado enriquecer esses materiais tão úteis no seu processo de trabalho.

Por sua vez, ao viajarem a cidades europeias, como as das Flandres, as da Alemanha ou as de Itália, os representantes do alto clero, os aristocratas e os burgueses ricos, sobretudo os que exerciam um mecenato artístico, procuravam adquirir livros ilustrados de boa qualidade.

No painel Cristo em casa de Marta, Vasco Fernandes utilizou de forma muito direta a gravura da Melancolia gravada em Nuremberga por Albrecht Durer, em 1514.

Essa opção iconográfica, tão singular na obra de Grão Vasco, pode ter resultado de uma decisão de D. Miguel da Silva.

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